sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O urso, a raposa e o relógio

Ele foi um dia de sol, depois de um longo e tenebroso inverno. E ele sempre ria disso quando ela falava. Mas era assim que ela o via, era assim que ele seria lembrado por ela pra sempre.

Se conheceram naquele lugar improvável. Ele estava geograficamente bem distante dela, mas a tecnologia os aproximava todas as noites. O "oi" dele era música para os seus ouvidos, e sua voz, tão cheia de cor, a tirava para dançar em seu quarto.

Um dia, decidiram se encontrar. Um passeio? Um cinema? Um teatro? Um almoço? Um jantar? Muitas opções para quem só queria estar perto, e estar perto foi o que decidiram fazer.

Mulher, né, você já imagina. "Com que roupa? E o cabelo? Fazer as unhas, sobrancelha, pele, emagrecer 3kg... Sapatilha ou salto? Bolsa de mão ou a tiracolo? Preto, branco ou vermelho? Batom ou gloss? Vestido?"...

Na cabeça dela, ele era o príncipe que a entendia com palavras. Era o carinho à distância que ela adoraria sentir de perto. Ele era o sorriso com o qual a gargalhada dela combinaria. Ele era! Sim, ele era!

"Que tal dia 19? Ou 20?!" Para ela, estava ótimo! “Nossa, que semana interminável!” Até que chegou a sexta, daquele ano par que ela jamais vai esquecer. "Você é louca, nem conhece ele. Você não vai", disseram! E quem a impediria? E ela, senhora de si, foi.

Naquele dia, ela escolheu vestido. Longo, claro, por ser mais elegante. Bolsa de mão. Salto. Rímel e batom. E foi de arco-íris pra colorir a vida e a noite. "Pode ser que não dê em nada. Pode ser que aconteça tudo. Aja naturalmente!", dizia ela para si mesma, tentando controlar a ansiedade. 

Já no lugar combinado, lá estava ela. Tantas pessoas indo e vindo... Em meio à multidão, como se (re)conheceriam? E se ele não fosse? E se fosse uma loucura? E se ele fosse um ogro e não um príncipe? E se fosse um desses malucos soltos por aí? E se fosse uma pegadinha? Tantos “se”... até que ela o avistou chegar. E como sabia que era ele? Ela sentiu... Borboletas em fuga no seu estômago! Beijava no rosto? Um ou dois? Apertava a mão? Ou ambos?!? Quando ele chegou, ela resolveu abraçá-lo: problema 1 resolvido. Meu Deus, ele era lindo, e como fazer para disfarçar o encantamento?!? A voz passou a ter um rosto, o sorriso ganhou moldura.

Nas mãos, além da bolsa, ela carregava um presente. É, ela é dessas que gosta de surpreender. A desculpa era o Natal, que estava bem perto... "Vamos lá em casa deixar isso, para ficarmos mais à vontade aonde vamos", ele disse. "Claro", disse ela, entre um sorriso de desespero, medo e "ok, não é nada demais".  E não foi mesmo. Saíram de lá tão rápido quanto entraram...

Ela tentava manter a calma da sua maturidade, ou a maturidade que ela pensava ter. Chegaram ao restaurante, muito acolhedor, sonzinho ambiente. Claro que ela estava com fome, não havia comido nada quase que o dia todo "para parecer mais magra". Besta! Agora teria que comer beeem pouco mesmo, pra não parecer uma faminta, e nem ficar com nada preso aos dentes (ah, esse aparelho!). Ele pediu uma bebida; ela preferiu suco. E a conversa fluiu leve e solta, como sempre havia sido entre eles. Tantos risos, tanto olho no olho. E quando as mãos se encontraram sem querer, resolveram se manter juntas. Ela amou o fato dele ter barba (por isso o "urso"), daquelas de verdade, sabe, gostosas de se fazer carinho. Ele disse que ela tinha olhos lindos. E, de repente, não disseram mais nada. Por alguns segundos, sumiram todos os sons e ela até esqueceu de onde estava. Ainda mais um tanto de papo, e resolveram dar uma volta. A noite era quente, às portas do Verão. Havia um calçadão inteiro só pra eles, apesar do tanto de gente que por ali caminhava. Tocava uma música em um dos quiosques. Eles pararam para ouvir, meio que ainda caminhando. O vento do mar bagunçava o cabelo dela, que ele ajeitava com mãos de carinho.

“Quero ver o presente”, ele disse. Ela sorriu e entendeu que era hora de irem. E foram. Ela estava eufórica e ansiosa: parecia que a lembrança era para ela mesma. Havia procurado algo que se parecesse com ele, vasculhou a internet. Achou um relógio. Riu e comprou. “Mas logo um relógio?!?” Não, meu caro e minha cara, não era um marcador de horas comum: ele trazia os números de forma divertida, e ele, como uma pessoa de exatas, iria gostar. Essa era a aposta dela. E não é que acertou? Ele riu e fez questão de colocar as pilhas, para ver funcionando logo. Ganhou lugar de destaque na cozinha e no coração dele. 

Tic tac, tic tac... E ali, embalados pelo som dos ponteiros, eles dançaram juntos a valsa que une os corações. E ela foi feliz como há tempos não era.

Quando a conversa foi retomada, falaram de tudo que já haviam dito. Riram de novo de tudo. “Você não gosta de lula?”, ele questionou. “Não, detesto. Mas amo camarão”, sorriu. “Lagosta é melhor, eu acho”, falou ele. “Nunca comi lagosta, tem gosto de quê?”, ela quis saber. “Pra mim, tem gosto de frango”. “Que absurdo! Lagosta tem que ter gosto de algo diferente. Logo de frango?!? Um dia eu provo!”, ela gargalhou.

E a noite trouxe seu manto de descanso sobre a cidade que (quase) não dorme...

“Vamos tomar café ou esperamos para almoçar?”, ele quis saber. Na beirada da cama, o relógio marcava 10h. “Meu Deus, isso tudo?!?”, ela pensou. “Posso fazer um café e almoçamos mais tarde, que tal?”, completou. Pensaram em tanta coisa que não fizeram nada além do que o olhar pedia...

“Quero te levar em um lugar”, ele disse. E lá foram. Ela queria dar a mão pra ele no caminho, mas achou melhor ficar olhando a unha e trocando a carteira de mão em mão. “Onde você quer se sentar?”, perguntou. Como ela não conhecia o lugar, disse que ele poderia escolher. “Tem um prato aqui que você vai adorar”, ele sorriu. Ela sorriu de volta e só pediu que não tivesse cebola. Ele não quis que ela visse o que era, e fez uma cara de quem estava aprontando. Mais conversa, mais sorrisos e o prato chega. À sua frente, tudo que ela gosta e uma LAGOSTA. Ela riu. Primeiro, pelo “presente”. Segundo, de nervoso: como se come lagosta, meu Deus?!? E ele, com toda a sua expertise, tomou a dianteira e ela apenas o seguiu. Se tinha gosto de frango? Não. Tinha gosto de sonho, de gentileza, de carinho, de bem-querer, de cuidado, de mão no rosto, de amor. Ele era um príncipe.

A tarde veio, e com ela a carruagem que a levaria embora daquele reino. Sim, ele era um príncipe, mas ela... ela era apenas a raposa cativada, e eles sabiam disso. Mas como seria bom se ela pudesse ser a sua rosa, aquela a quem ele dedicaria seu tempo e sua importância.

“Adorei tudo, obrigada. Obrigada por ter sido tão encantador, tão gentil, tão mais do que pensei”. “Não te fiz um favor, então, não agradeça. Fui só o que você precisava que eu fosse”, ele disse. Havia chegado a hora de desfazer o laço. Os braços ficaram soltos; as mãos, distantes; a boca, seca; os olhos, tristes; o coração, apertado. E ela o viu sumir. Abaixou a cabeça, entrou na carruagem e se foi.

Nunca mais se viram, por essas razões que o coração não entende, mas nunca deixaram de se falar. Ela romantizou, é verdade, e ele foi prático. Ela quis apertar o botão do repeat, e ele deu pause. Ela tentou andar junto, mas ele seguiu na paralela, e paralelas não se encontram...

Mas ela se tornou inesquecível pra ele, ela sabe. Eles sabem. Quando ele olha as horas naquele relógio, ela está lá, sempre o levando de volta ao balanço do tempo que nunca para.


#PraVcComCarinho    




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13 Comentários:

Às 23 de setembro de 2016 às 17:12 , Blogger Juliana Machado disse...

Uau!!!!

 
Às 26 de setembro de 2016 às 11:52 , Blogger sil disse...

Nossa!! Fiquei sem respirar o tempo todo.. rs

 
Às 26 de setembro de 2016 às 17:41 , Blogger Ana Paula Porto disse...

Obrigada, Ju, por ler e comentar!

 
Às 26 de setembro de 2016 às 17:41 , Blogger Ana Paula Porto disse...

Obrigada, Sil. Fiz de coração e com emoção hehehe

 
Às 11 de outubro de 2016 às 17:12 , Blogger I. disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
Às 11 de outubro de 2016 às 17:15 , Blogger I. disse...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
Às 11 de outubro de 2016 às 17:34 , Blogger I. disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

 
Às 11 de outubro de 2016 às 17:38 , Blogger I. disse...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

 
Às 21 de novembro de 2016 às 18:30 , Blogger Unknown disse...

Cadê o livro, mulher?
Texto lindo, amei!😍

 
Às 15 de abril de 2019 às 16:08 , Blogger Unknown disse...

Amei Paula, seus textos são maravilhosos! Estou no 3° seguido... Um ritmo, uma cadência de leitura muito gostosa! Eu e Ana somos fãs... Conte sempre conosco ê.ê <3

 
Às 4 de maio de 2019 às 14:23 , Blogger Débora Resende disse...

Deus , parecia que eu estava lá. As descrições o cheiro as atitudes... Muito realista impactante.

 
Às 4 de outubro de 2019 às 16:17 , Blogger Ana Paula Porto disse...

Obrigada, Débora!!!

 
Às 4 de outubro de 2019 às 16:18 , Blogger Ana Paula Porto disse...

Obrigadaaaaa

 

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