domingo, 6 de novembro de 2016

NaPaula, a partida e a partida

Tinha tudo para ser um fim de domingo como outro qualquer. O programa da TV dava "boa-noite" aos telespectadores, que entendiam já ser hora de dormir, mas ela não conseguia "desligar". Resolveu procurar companhia naquele lugar, alguém que quisesse conversar apenas, nada demais. Ou sim?

Achou. Parecia ter achado. Trocaram corações e esperanças. Mais um? Mais uma? As perguntas e respostas de sempre. Inicialmente, o básico, mas, depois, a resistência do acreditar foi dando lugar a uma vontade de descobrir mais e mais daquela pessoa por detrás dos óculos escuros. E tantas histórias surgiram, tantas conversas... E o "bom dia", "durma bem", "já acordou?" "Como foi o dia?" "E as crianças?" foram se tornando necessidades diárias. Ele dizia o que ela tanto queria ouvir. Ela fazia graça de tudo, e ele achava graça disso, apesar de nem sempre entender.

Ela achou que conseguiria desarmá-lo com sorrisos, mas ele não estava mais acostumado com isso. Se perderam, depois se acharam. Ou acharam que podiam se encontrar, ela não sabe. Insistência dela, claro. Ele já estava agarrado ao seu orgulho de sempre. Cedeu. Ela esqueceu a turrice dele e decidiu seguir pela rua de paralelepípedos que era o seu coração. Equilibrava-se no seu salto alto das palavras, para não dizer algo que ele não gostasse. Fez menos graça e seguiu devagar.

Naquele sábado frio, encontraram-se para esquentar os corações. Expectativas, ansiedade, projeções. Na tela, futebol. E entre um gol e outro, goles de conversa. E tudo parecia tão real quanto era no virtual: o mesmo carinho nas palavras, o tom calmo... A timidez nos olhos e um olhar apaixonante a fizeram acreditar que seria possível, por que não? Na hora da despedida, ela não sabia como ir. Havia tanta vontade de ficar, ainda mais quando os céus das bocas explodiram em cores e encontros. "Pode ser possível", pensou, sorrindo na alma...

E o encontro pedia novos encontros. Urgentes, necessários. Ah, e ela, então, abriu as asas e se permitiu voar em sonhos que tinha. Ela via os pedais da bicicleta girando ao redor da Lagoa, aquela vontade antiga dela, lembra? Passeios de mãos dadas, com direito a picolé de limão em dias abafados e quentes. O riso das crianças levadas ao ombro. Parecia tudo tão possível...

Mas havia coisas que ela não poderia prever. E ela se esqueceu de não adiantar tanto os ponteiros do relógio...

O dia chuvoso lavou e levou suas vontades. O encontro, desfeito. E ela não sabia como juntar todas aquelas expectativas jogadas ao chão. Abaixou-se, lentamente, recolhendo os pedais da bicicleta, os picolés de limão, a vista da Lagoa, os passeios de mãos dadas, a risada gostosa das crianças... Guardou tudo novamente na sua sacola de ilusões... Sentou-se na beirada da cama. Olhou o céu cinza lá fora, as unhas feitas, o cabelo tão bem arrumado. A roupa que havia separado voltou a dormir nos cabides de veludo que ela tem.

Não quis olhar mais para o telefone. Isolou-se no seu mundo de silêncios e sons particulares. "Você sempre acredita cedo demais. Não aprende? Não aprendeu?", disse aquela voz que ela conhece muito bem.

Sentiu uma pontada estranha no coração. Já havia doído outras vezes. "Traumatismo coronariano", disse a voz, "mas segue o jogo. Um dia, você vence essa partida"...



Ao som de Não vá ainda, com Zélia Duncan

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1 Comentários:

Às 28 de abril de 2017 às 15:17 , Blogger Unknown disse...

Meu Pai, que texto incrível. Me vi em tantas palavras... E vejo você além dessas palavras... há de chegar o refrigério. não demorará...

 

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