sexta-feira, 12 de junho de 2015

Houve um tempo...

Há um quarto, na casa da minha memória, no qual guardo as lembranças que (ainda) doem. Por algum motivo que eu não sei explicar, não joguei tudo fora de pronto...

O quarto é cinza. Há uma janela que deixa um pouco de luz entrar. Há uma cadeira de balanço lá dentro e um baú logo à sua frente. Quando entro nele, nem sempre abro o baú. Apenas me sento na cadeira, coloco a almofada que fica no assento no meu colo e me reclino bem devagar nela. Ouço seu ranger e ela me embala lenta e calmamente.

Me inclino, dessa vez, para abrir o baú. Apesar de ter tanta coisa dentro, ele é relativamente pequeno. Não há cadeado. Toco nele e penso: pra que abrir justamente hoje? Às vezes, me convenço de que não vale a pena reviver o que está lá dentro. Porque lá dentro há de tudo um pouco: fotos, cenas, risos, lágrimas, pessoas, lugares, cheiros, gostos, músicas... E eu me venço no sentido de não abri-lo.

Mas, hoje, por razões mil, o baú se abriu diante de mim... E os meus olhos não se fecharam a tempo... E eles viram aquele tempo, aquele tempo que eu já sei que não existe mais. Aquele tempo que o tempo se encarregou de levar pra longe, tão longe que já nem sinto falta...

E meus olhos abriram a porta das lembranças... E elas pairavam à minha frente, flutuando do baú pelo quarto. Eu ri de novo do que era 'risível'. E vieram as cenas por completo, os motivos, as horas, os toques, os gestos, os porquês, as razões e até uma certa alegria. Mas outras cenas também queriam ser vistas, e o quarto era um inundar de coisas e palavras e músicas e sons... Eu dancei entre as lembranças. Havia borboletas pelo quarto, raios de sol, cheiro de manhã feliz.

Cheguei a me lembrar de como tudo era antes de que tudo fosse.

Mas, de repente, meus olhos se abrem. Estou como quem levita pelo quarto, embalada pelo som daquela música. E, ao abrir os olhos, eles percebem o engano: não há borboletas, elas ainda são lagartas. Não há raios de sol, pois não há luz entrando pela janela. Não há cheiro de manhã feliz, apenas do velho e empoeirado baú.

Vagarosamente, chego ao chão. De frente para o baú, vejo as fotos voltando cada uma para o seu lugar. As cenas se ajustam ao seu tempo, a música para de tocar: ouve-se apenas o barulho ensurdecedor do silêncio...

Caminho para a porta e seguro a maçaneta. Olho em volta, respiro fundo e penso: preciso me desfazer desse quarto... Mas como me desfazer se, às vezes, ainda sou o que acho ser que fui? Como?

Não sei me responder. Bato a porta. Saio da casa e sinto os pingos da chuva que caem lá fora. Pingos com gosto de açúcar e sal...


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